Arte: Virgil Stephens - Fly Me To The Moon
Não escolhi ser artista. Não é tipo de coisa que se escolhe.
Acontece. Não sei se é algum dos caminhos prontos no mapa da genética, ou se é parte
de alguma grande obra na arquitetura do universo. Não gosto de questionar as
origens dos desejos. Aceitei o fato e assumi para o mundo. Sou músico.
Os sinais da arte foram aparecendo aos poucos na minha vida.
Começaram com o desejo das mãos de transformar qualquer barulho em percussão, e
a vontade dos pés de andar sempre junto ao ritmo. Se manifestaram nas leituras
de livros, compulsivas até mesmo nos dias de sol, e na inexplicável vontade de
escrever os meus romances. Sempre quis traduzir o mundo com as minhas próprias
palavras.
A vontade de subir ao palco começou cedo. Eu não suportava a
indiferença dos adultos, sempre concentrados na televisão. Eu queria fazer arte
ao vivo. Empurrava a cadeira para frente da televisão e a transformava em palco,
fazia da sala o meu teatro. Eu atuava filmes. Cantava músicas. Declamava
comerciais. Era a atração principal da noite até que a programação da hora recomeçasse
para roubar a minha cena.
Quando isso acontecia, eu abandonava o palco, e ia desenhar.
O papel e a caneta sempre foram dois dos meus grandes amigos. Posso me divertir
por horas toda vez que nos encontramos juntos.
A arte é maravilhosa. Tem o poder de redesenhar o mundo. Ligar
os pontos perdidos. Destacar os traços nos muros e sublinhar partes da
natureza. Sempre adorei transformar a vida numa pintura. Eu até ficava
satisfeito em guardar a arte final só para mim. Reservar a minha interpretação
da vida. Mas expor o quadro, e mostrar para quem quiser ver, é o verdadeiro
sentido de pintar o mundo.
Artista não consegue segurar as coisas dentro do peito.
Quando o coração transborda, nasce a arte. Os sons, as imagens, e as palavras
são os vazamentos do coração. As molduras para os sentimentos. São fugas.
Cada artista usa as ferramentas que mais gosta para
construir os túneis que aliviam a pressão no coração. A minha acabou sendo a
união da música e das palavras. Não são artes que necessitam uma da outra para
existir. Mas eu adoro essa mistura. Criar a trilha sonora para a escrita, e
traduzir os sons em letras
A música sempre me envolveu. Ela me fascina. Ela é tão
pequena. Guardada entre um dó e outro. E mesmo assim, é infinita. Está toda
dentro da prisão dos instrumentos. É só transformar os dedos em chaves, e abrir
as celas das notas para que a música se faça.
Meu primeiro romance com o violão não deu certo. Eu quis apressar
as coisas, e na falta da coordenação motora da infância, derrubei ele no chão.
Ele ficou com o braço partido, e eu com o coração. Mas a vida deu um jeito de
nos reapresentar. Eu o procurei anos mais tarde, e ele me recebeu de braços
abertos. Somos grandes amigos e ótimos parceiros de composição até hoje.
Foi ele quem me ajudou a musicar minhas letras escritas na
infância. Que me ajudou a achar a diversão nos dias monótonos. Que me consolou
nos romances. Que me fez acalmar os ânimos. Que escutou os meus lamentos da
adolescência. Que traduziu minha alegria. Que revelou meus segredos. Que
continua comigo mesmo eu nunca dividindo o cachê com ele.
Eu até tentei me desviar. Pensei em estudar medicina. Quem
sabe ser professor, ou até bioquímico. Qualquer coisa que me afastasse da arte.
Mas não consegui, sempre foi mais forte que eu. E um dia precisei assumir para
os meus pais.
Nunca é fácil. Poucos pais querem ouvir estas palavras de um
filho. Afinal, por que a musica? Por que não escolher uma opção que já vem
pronta? Uma opção lapidada em uma faculdade, passada de geração para geração. Fazer
engenharia, ou medicina. Ser padeiro, ou arquiteto. Trabalhar em horas normais.
Ter um chefe. Alguém que grite com você. E alguém para passar adiante o grito.
Eu entendo a preocupação. Todo mundo sabe que ter o próprio
coração como chefe, é muita exigência no trabalho. Mas acabei tendo sorte. Meus
pais me compreenderam e decidiram me apoiar na decisão. Hoje sou um músico
feliz, sem medo de assumir a música na minha vida.
Publicado no jornal Visão do Vale em 20/11/2012