Eu não sei quem decidiu criar essa coisa de linguagem verbal.
Mas eu duvido que a fala tenha nascido para alertar os perigos do cotidiano. Fazer
juras de amor. Recitar poemas. A fala não se desenvolveu para aperfeiçoar
brigas. Nem foi criada durante uma guerra qualquer. A fala nasceu em uma mesa,
durante um almoço, um jantar, ou até em um boteco.
Não conseguimos dividir comida sem dividir histórias. A mesa
é nosso fraco. Baixamos a guarda diante dos pratos. Nos curvamos nas cadeiras
perante os alimentos. Os talheres que seriam armas em outras ocasiões, se
transformam em aliados da paz. É um momento sagrado de conexão entre o grupo. A
comida abre espaço para a compreensão.
É só prestar atenção nos costumes. A mesa está presente para
abrir os assuntos mais importantes da vida. É item obrigatório em sala de
reunião. Grande aliada na hora de fechar negócios.
É objeto de desejo em qualquer bar. Confidente dos bêbados.
Tem gente que se engana, acha que é o garçom. Mas a mesa está sempre ali no
meio. É a única que se lembra da noite inteira.
Recebemos nossas visitas na mesa. È a grande anfitriã das
festas e ceias. Durante anos os arquitetos tentaram convencer as pessoas a se
reunir na sala de estar. Mas nunca obtiveram sucesso. A cozinha sempre saiu vitoriosa
nos números. É por isso que inventaram a cozinha americana. Para tirar o pó da
sala e aumentar o espaço da conversa.
A mesa é até mesmo sinal de poder. Têm algumas tão cobiçadas,
que às vezes necessitam atender a uma grande fila de reservas. São tratadas
como especiais. Tem vista pro mar e um cardápio com nomes esquisitos. Mas elas
nunca serão realmente diferentes da mesa do boteco da esquina, que serve todos
os tipos de fritura e não faz questão das toalhas limpas. Ambas querem abrir
nosso apetite pela comunicação. Nosso desejo de se conectar com outro ser
humano.
Não importa o local da mesa. Não importa a qualidade da
comida servida. O que importa, são as pessoas. A real função da ceia não é
preencher o estomago. É preencher o coração. Nenhuma vista substitui uma ótima
companhia.
Publicado no jornal O Farroupilha em 14/12/12
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