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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Lágrimas




Meu domingo amanheceu longe do Rio Grande do Sul. Mas nem precisei sair da cama para meu coração voltar para as terras gaúchas.

O bom dia negro das notícias de Santa Maria encheu meus olhos de lágrimas.

Senti a compaixão de quem também sai à noite. Senti a compaixão de quem também trabalha em boates e festas.

Senti a compaixão de quem também sonha. Senti a compaixão de quem também ama.

Senti a compaixão de quem também faria de tudo para salvar os outros. Senti a compaixão de quem também nunca consegue achar a saída.

Chorei.

Como não chorar? Não precisava nem conhecer ninguém para chorar. Eram todos jovens, assim como eu. Eram todos sonhos. Eram todos esperança. Eram todos presentes, cheios de futuro. E agora são lágrimas. Passado.

Lembrei de todas as vezes que minha mãe me disse “Boa festa”. Lembrei de todas as vezes que meu pai falou “Te cuida, avisa quando chegar”. Lembrei de todas as vezes que virei os olhos para indicar que nada iria acontecer. Lembrei de quando fiquei brabo por me ligarem quando ainda não havia voltado.

Chorei pelos pais. Chorei pelos irmãos. Chorei pelos namorados e namoradas. Chorei pelos amigos.

Chorei por todos que só queriam dançar.

Chorei por todos que só queriam conhecer pessoas.

Chorei por todos que só queriam celebrar a vida.

Chorei por todas as chamadas não atendidas.

Chorei por todos que não poderiam chegar com cara de sono no almoço de domingo.

Chorei por todos que não disseram boa noite.

Chorei por todos que não pegaram um taxi. Por todos que não ligaram para o pai ir buscá-los. Por todos que não saíram dirigindo. Por todos que não saíram caminhando.

Chorei por todos que não voltaram para casa.

Eu sei que é coisa da vida. Todos nós sabemos o quão frágil ela é.

Todos nós sabemos que tudo é passageiro. Que tudo é perecível.

Mas não podemos evitar a tristeza de ver a alegria virar lagrima. Não podemos evitar a tristeza de ver a juventude acabar antes de o sol nascer.

Não pude evitar minhas lágrimas. Logo eu, que sou um otimista.

Chorei junto com o mundo todo, por todos aqueles que perderam a chance de mudar o mundo.

crônica publicada no jornal Visão do Vale em 29/01/13

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Arte Moderna


Arte: Linda Powell

Quando o mundo se acomoda no sofá, a modernidade chega e bate na porta.

Não existe tempo para o descanso. Quem dorme perde o trem. Vira conservador. Um viciado do passado, que transforma nostalgia em nicotina.

Ninguém me engana. Quem fala que o mundo era melhor antigamente, perdeu o balanço do tempo. Caiu fora da roda da vida. Tenta compensar criticando a modernidade. Construindo um muro. Mas não adianta. Se o conservador é muro. A modernidade é grafite.

Conservador gosta de rotina. Tem medo de ser desafiado. Quer garantir a própria segurança. Não quer ninguém para tirá-lo da sua zona de conforto. Pelo contrario quer fazer todo mundo se acomodar com ele.

Conservador odeia a modernidade, porque ela tira seu poder. Ele se sente incapaz ao não conseguir repetir o passado diante de seu futuro. Especialmente com as crianças.

Antigamente, todas as informações sobre os filhos vinham dos vizinhos e da escola. E com uma surra e um castigo, os pais podiam controlar o conhecimento do filho.

Com a internet, controlar o conhecimento das pessoas virou impossível. Bater e surrar não assusta mais. E o conservador que não aprendeu a abraçar e conversar. Não vai poder ensinar o mais importante para a criança saber moldar todo conhecimento que adquire. O amor.

Tenho dó dos conservadores. Afundando no tempo. Querendo achar a igualdade em um mundo cheio de singulares. Um mundo cheio de gente que aprendeu a pensar por conta própria. Que se re-desenhou. Gente que era arte clássica e virou arte moderna.

Arte moderna são as pessoas que querem dar uma segunda chance ao ser humano. São as pessoas que lutam pelos direitos dos animais. São os politicamente corretos. As mulheres que amam e gozam. Os homossexuais passeando de mãos dadas. São os esquisitos.

Arte moderna sempre recebe péssimas críticas no começo. Mas a modernidade sempre acaba mostrando que ela era uma obra prima depois que o mundo a aprende.

Publicada no jornal O Farroupilha no dia 25/01/13

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Escala




Somos tão pequenos. Tão breves.

Um suspiro entre eras. Uma vírgula entre histórias.
Um nó na linha do tempo. Uma nota na partitura.

Só um grão de vida escondido num canto do universo.
Nada mais que um ser humano no planeta terra.

Não somos centro. Não somos atores principais.
Somos coadjuvantes. Pedaços da vida.

Não somos maiores que o céu. Não somos maiores que a chuva.
Não somos maiores que o sol. Nem somos maiores que a vida.

Somos importantes. Somos funcionários da natureza.

Não somos maiores que o mar. Não somos maiores que as horas
Não somos maiores que a lua. Nem somos maiores que o céu

Não somos maiores que o nosso amor.

Não cabemos dentro da nossa paixão. Nossos sonhos não cabem dentro de nós.
Não damos pé no mar da nossa tristeza. Não achamos o fundo da nossa felicidade.

Não temos espaço para guardar todos nossos sentimentos. Eles transbordam. Viram sorrisos e lagrimas. Viram abraços e beijos. Viram arte.

Não somos maiores do que nós mesmos.

Não cabemos em nós mesmos.

Nós somos tão pequenos, mas tão infinitos...

publicado no jornalo O Farroupilha em 18/01/13

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Paz dos Sexos



Não sei quem inventou essa história de guerra dos sexos. Mas quem decide se alistar esta perdendo tempo de ser feliz.

Não existem vitórias para os times do machismo e do feminismo. Levantar qualquer uma das duas bandeiras é egoísmo. É medo de se conectar, e descobrir que o outro sabe mais. É medo de parecer menor. Medo de aprender.

Se na guerra dos sexos, o machismo quer reprimir o melhor da mulher, e o feminismo quer importar o pior do homem. Na aliança do amor, a união quer somar as qualidades para poder compensar nos defeitos.

O amor é para aproveitar junto. Quando um corta o outro cozinha. Quando um lava o outro seca. Quando um cai o outro ajuda. Quando um ganha o outro ganha. Quando um ri o outro ri.

O amor precisa de entrega total. Precisa do melhor de um no pior do outro. Afinal, toda tampa de vidro de conservas abre mais fácil na segunda tentativa.

Competir em um relacionamento é o mesmo que convidar alguém para dançar, e tentar driblar os passos do par. É como marcar de ir ao cinema, e sentar um na frente do outro. É reclamar da comida, e não ajudar a temperar. É esperar ouvir um bom dia para dar um bom dia. É manter uma briga só para ver quem vai ceder primeiro. É fazer filhos e dar eles para uma babá. É anotar num papel todos os gastos para poder cobrar no divórcio.

Os machistas e as feministas nunca serão felizes no amor. Não conseguem se entregar a uma paixão de verdade. Eles têm medo de sair por baixo. Acham que estão sempre sendo injustiçados. Que são os únicos a se sacrificar. Que carregam a parte mais pesada da cruz.

Eles ainda não entenderam que homens e mulheres são diferentes. E que é isso que faz a soma ser tão maravilhosa.

O amor não tem lados. Ele é redondo, e ninguém consegue abraçar ele sozinho.

Publicada no jornal O Farroupilha no dia 11/01/13

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Só Humanos


Arte: Leonardo da Vinci

Eu gosto de quem troca os pés pelas mãos. De quem gagueja na hora de se apresentar. De quem treme quando está ansioso. De quem não consegue ficar quieto durante o nervosismo. Gosto de quem se arrepia.

Eu gosto de quem chora no meio da rua. De quem discute no meio da praça. De quem não consegue evitar o abraço mesmo quando quer manter uma briga. De quem pede desculpas primeiro, e não espera a certeza do perdão. Gosto de quem se machuca.

Eu gosto de quem fala alto quando está brabo. De quem se encolhe quando está com medo. De quem tem alegria misturada com lágrimas nos olhos. De quem tem ataque de riso, e procura um espaço entre as risadas para respirar. Gosto de quem se entrega.

Eu gosto de quem tropeça. De quem troca as palavras. De quem confunde as placas dos banheiros. De quem se esquece das vírgulas, e exagera nas reticências. Gosto de quem se traduz.

Eu gosto de quem puxa no colo e abraça. De quem transforma o oi em um abraço, e faz do tchau uma desculpa para o beijo. De quem não sabe o que fazer com as mãos quando não estão entrelaçadas. Gosto de quem encosta.

Eu gosto de quem se suja. De quem amassa as roupas. De quem afrouxa a gravata e se esquece de botar a camisa dentro da calça. De quem tira o sapato na primeira oportunidade e não combina meias. Gosto de quem se atira

Eu gosto de quem canta sem saber a letra. De quem desafina de coração. De quem dança sem coreografia. De quem pisa nos pés do par durante a valsa. De quem joga os braços pro céu e grita. Gosto de quem se emociona.

Eu gosto de quem deixa o coração falar mais alto. De quem é de verdade. De quem calcula os números na cabeça e a vida no peito. De quem esquece o guarda-chuva no metro e aproveita para tomar um banho. Gosto de quem vive.

Eu gosto de quem erra. 

Crônica publicada no jornal O Farroupilha em 04/01/13