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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O que não cabe na mala




Arrumar as malas nunca foi meu forte. Levo sempre mais tempo do que gostaria para começar, e mais tempo do que gostaria para terminar.

Eu me perco nas roupas. Erro na quantidade. Desafio a meteorologia. Aposto nas mangas curtas no meio do inverno, e nos casacos grossos durante o verão. Nunca ganho, mesmo se minha aposta for a mesma que a da previsão do tempo.

Tirar as roupas do armário e jogar na mala sempre foi uma tarefa comum da minha vida. Mas nunca deixou de ser um ritual. É um namoro com as camisetas. Um jantar com as calças e cuecas. Um romance com os pertences.

Não sou materialista, não me leve a mal. Mas quando revisto o meu exterior, eu acabo me reencontrando com todas as histórias que fizeram o meu interior.

Se foi de presente. O rosto de quem presenteou vem fixo numa estampa invisível. O nome fica numa etiqueta que só eu consigo ver. Não consigo evitar. Os objetos me contam histórias. Me entregam mapas que indicam onde as linhas da vida de outras pessoas acabaram se cruzando e dando nós com a minha.

A mala é uma máquina do tempo. Quando está aberta, pode retroceder uma vida inteira. Mas quando fecha, é futuro.

Podemos levar roupas. Fotos. Presentes. Cartas. E até mesmo perfumes. Mas ainda não existem malas que carreguem sorrisos. Nem sacolas capazes empacotar abraços, ou mochilas que suportem lágrimas.

Ainda bem que o coração foi inventado. Coração não tem fundo. Cabe tudo que importa. E quanto mais cheio, menos pesa.


Cronica publicada no jornal O Farroupilha no dia 17/08/12

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

De pai para filho


Me lembro de contar os segundos esperando que meu pai chegasse do trabalho. O freio do carro era a sirene de aviso. O tiro que dava a largada para a corrida do oi.

Nem sabia qual era o trabalho dele quando eu era criança. Achava que meu pai era o goleiro que não foi convocado para seleção. O artilheiro que abandonou a carreira depois de sofrer uma contusão. Afinal, eu nunca conseguia ganhar dele no futebol. Só quando ele me deixava, ou no vídeo game, ai eu era campeão.

A melhor hora do dia era a da novela das 21:00h. Esperava ansiosamente o momento em que o jornal acabava para ver meu pai desligar a televisão, e escolher um CD para ouvirmos música. Era meu ritual favorito. A trilha sonora da minha infância

O sofá era meu colchão, lugar de descansar os olhos. O barulho da família e o calor humano da sala eram meus soníferos. Mas sempre acordei na cama, e com os dentes escovados. Meu pai era meu dentista.

Pai é o professor da vida. Ensina o mundo para os filhos e os filhos para o mundo.

Meu pai me ensinou a ler livros e a jogar xadrez. Me levou para o cinema e para a praia. Me deu parabéns e me xingou. Me explicou as matérias da escola e tentou responder a todos meus cansativos e persistentes por quês.

É o pai que nos ensina a andar de bicicleta. Quando vê que temos equilíbrio, nos empurra o suficiente para que possamos ir sozinhos. E se uma hora a gente cai, ele sempre manda subir de novo e pedalar.

Pai é segurança. É o nosso chão firme, e a mão que nos ajuda a levantar.

Meu pai me ensinou a viver a vida sem rodinhas.


Cronica publicada no jornal O Farroupilha, no dia 10/08/2012