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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Prazo de Validade


Sempre procuro a data que anuncia o fim da validade nos produtos do supermercado antes de comprá-los. Desconfio dos pacotes gigantes com preços baratos. Duvido da minha capacidade para consumi-los dentro do prazo. É mania de consumidor, querer ter tempo para aproveitar o produto, ter ele estocado para a ocasião correta.

Afinal, é a lei. Aquilo que tem data de fabricação precisa de uma data de vencimento. Não depende de fiscalização. É uma obrigação da natureza que o tempo sempre faz cumprir.

Tudo é perecível, passageiro. Uma hora as coisas precisam se modificar e se transformar em algo novo. O leite vai coalhar. As frutas vão apodrecer. O dia vai acabar. O medo vai passar. A paixão vai esfriar. E o coração vai parar de bater. É a vida.

O prazo de validade é nosso limite. O chão do nosso vôo livre. É o motivo que transforma a vida em raridade. Se ela fosse eterna, não teria graça. A eternidade cobra certezas que a vida não precisa ter. E o prazo de validade nos permite errar. Nos permite se apaixonar e ter o coração partido. Nos permite queimar a língua por não conseguir esperar a comida esfriar. Nos permite sofrer por antecedência e se emocionar com a surpresa. Nos permite sentir. E nos permite tentar.

Viver é começar e terminar diversas vezes antes que o prazo de validade da vida expire.

Vida não é um produto. Não existe carimbo com a data de validade marcada na tampa Nem bula dentro da caixa para verificar as informações importantes. Vida não entra em promoção de supermercado quando está perto do final. E nem pode ser estocada para datas especiais.

Mas se a vida tivesse rotulo. Teria as seguintes informações no local do prazo de validade: Consumir este produto dentro do prazo; e para melhor conservação, manter em lugares abertos.

Crônica publicada no jornal O Farroupilha no dia 28 de setembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Inciante


Tento ser ignorante pelo menos uma vez por dia. Experiência de mais tira a graça da vida.

Gosto dos começos, mas não sou chegado a apresentações. Me perco ao me definir. Resumir-se é como propaganda de supermercado, só anuncia as ofertas. Não conta as calorias.

Gosto de decifrar. Descobrir aos poucos, tirar uma peça de roupa de cada vez. Criar um suspense, ter a chance de me decepcionar e a chance de me apaixonar. Não gostaria de ser vidente e descobrir que não há necessidade nem de tentar.

A inocência é o coração aberto. Transforma as mais simples tarefas em rituais. Nada é mais charmoso do que as primeiras vezes. Elas ganham um espaço reservado no arquivo da memória.

Começar é se dar uma chance de medir a vida em centímetros. Explorar o tempo em segundos. Transformar cada sensação do dia a dia na primeira colherada da sobremesa, e poder terminar a refeição da vida com a sensação de estar com a barriga cheia, e com o cinto preso no buraco extra.

Ser iniciante é assumir que o mundo é maior do que si mesmo. É não ter vergonha de levantar a mão e perguntar. Não entender nada e ficar quieto é covardia. É medo de assumir os riscos da vida.

Nunca é tarde para um começo. É só atiçar a curiosidade. Não existe conhecimento suficiente para deixar uma vida monótona. Sempre existe algo a mais. Uma receita para fazer. Um lugar pra visitar. Uma pessoa para conversar. Um livro para ler. É só querer ser um bom aluno, que a vida é uma excelente professora.

Publicado no jornal O Farroupilha em 30 de agosto de 2012