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sexta-feira, 3 de maio de 2013

Apaixonado


Sou um apaixonado.

Não preciso de muito para desenhar um sorriso no meu rosto.

Pode ser um dia de sol. Um banho de chuva. Um tempo ao ar livre. Uma tarde em baixo das cobertas.

Pode ser um beijo demorado. Um abraço apertado. Uma mesa cheia de amigos. Um canto só meu. Uma roda de música. O barulho da natureza.

Não consigo evitar. As pequenas coisas da vida me tocam.

Elas me pegam de jeito. Me dominam. Me tiram o fôlego. Me jogam de um lado para o outro no balanço da vida.

Caminho pelas ruas e meus olhos brilham. Sou uma antena. Não posso bloquear. Meu coração pulsa mais forte com os gestos das pessoas.

É só ver uma mãe apertando apaixonadamente o filho que eu já fico bobo. Não precisa muito. Dois velhos amigos jogando domino na praça são o suficiente para que meus dentes se revelem por trás de um sorriso.

Se eu vejo a garotada correndo pela calçada, desviando dos mais velhos, e brincando com o mundo que os espera pela frente, eu logo viro criança, e driblo a responsabilidade de ser maduro por alguns segundos.

Eu fico mole com o amor dos outros. E o amor está por todo lado.

São os dedos do músico de rua acariciando as cordas do violão. É um casal qualquer arrastando as horas da tarde na beira do mar. São cachorros brincando de pega-pega por entre as esquinas. São as pessoas e o mundo se misturando em harmonia.

Eu sou feliz nos detalhes. Nos segundos. Nos suspiros.

Eu sou feliz por tabela. Um reflexo do brilho dos outros.

Os apaixonados são assim. Felizes de coração inteiro.

Publicado no jornal O Farroupilha em 3 de maio de 2013

domingo, 31 de março de 2013

Chocolates


Sempre fui ansioso. É da minha natureza. Lembro que não conseguia dormir direito na noite anterior ao domingo de páscoa. Era meu feriado favorito.

Não é que eu seja fanático pelos chocolates. Eles sempre duravam meses em minhas mãos.

Eu gostava mesmo era da aventura. Acordava meu irmão e o convencia a levantar para acharmos os chocolates.

Não acreditava em Papai Noel, mas jurava que o coelhinho da páscoa era de carne e osso. Ele invadia a minha casa a noite, comia a cenoura, tomava o Nescau, e deixava bilhetes e pegadas por toda a casa.

Na época eu não imaginava que as pegadas eram de farinha e feitas pelas mãos dos meus pais. Não fazia nem idéia de que a caligrafia do coelho era exatamente igual à caligrafia do meu pai.

Até achava estranho que o coelhinho não fazia o mesmo pelas outras casas. Que somente o meu lar era o escolhido para virar uma caça ao tesouro, com pistas espalhadas dando dicas da localização de todos os chocolates que ele havia esquecido pelas gavetas e armários.

Com o tempo eu perdi a ingenuidade de criança, e descobri tudo. Mas confesso que a brincadeira não perdeu a magia. Ainda aconteceu por algum tempo. Sem as pegadas no carpete, é claro, já que elas davam trabalho na faxina. Mas com pistas cada vez mais complexas e divertidas.

A Páscoa não era a ressurreição de Jesus. Não era o chocolate. Não era o coelho. A Páscoa era o amor e a dedicação dos meus pais por mim e pelo meu irmão. Eram os detalhes. O cuidado. Tudo que eles faziam para cativar nossa imaginação e a nossa curiosidade.

Essas histórias se tornaram marcas de pura felicidade em minha vida. E só foi necessário o amor, e o tempo de meus pais para que acontecessem. Nunca precisei ganhar um chocolate importado ou um ovo gigante com um brinquedo no meio para poder sorrir. Só precisei de amor.

Agradeço aos meus pais por me ensinarem que as melhores partes da vida são embrulhadas em sentimentos.

Publicada no jornal O Farroupilha em 29 de março de 2013

sexta-feira, 22 de março de 2013

Sem Medidas





Quem ama não arranja motivos.

É simples. O amor não se mede pelo número de tópicos numa lista de positivos e negativos. O amor não é numerado, não tem marcadores de página. Não tem extrato.

Ele se perde entre as vírgulas. Ele deixa as reticências tomando conta do coração.

Quem ama não sabe se traduzir em um porquê.

É direto. É um ponto final. É uma jura de pés juntos e teimosa que não sabe nem se está realmente certa.

Quem ama não sabe as respostas

Não duvida do potencial de seu coração. Marca a questão pelo impulso dos sentimentos. É um chute. Não se importa com a nota final.

Quem ama não se prepara

É um deslize. Um esbarro. Um tropeço. Uma colisão que acontece mesmo depois de todas as precauções terem sido tomadas.

Quem ama não se questiona.

Faz vista grossa. Passa por cima dos detalhes.  Tem todos os motivos mas não faz questão de saber nenhum.

Quem arranja boas desculpas para amar, está perdido. Tem dúvida. Mergulha com um pé atrás.

O amor não conta vantagens. Não espera a eternidade. Não busca perfeição.

Não é o amor que precisa de motivos. É o interesse.

O amor não tem manual.
O amor não tem lados.
O amor não tem centímetros.

ublicado no jornal O Farroupilha no dia 22/03/13

sexta-feira, 15 de março de 2013

E Se...




A imaginação é tinta. É lápis de cor. São dedos inquietos e a caneta cheia na frente da folha da realidade.

Ela é capaz de inventar grandes amigos, e transformá-los em nossos colegas de quarto. É capaz de criar nossos piores monstros, e ainda alugar o armário ao lado da cama para eles.

Tem gente que acha que imaginação fértil é coisa de criança. Que ela morre precoce. Assim que a adolescência nasce.

Na verdade a imaginação cresce junto, tira as fraldas e veste nossa maturidade. Somos eternos subordinados. Reféns dos nossos medos. Juntamos o “e” com o “se...” e trememos na turbulência da nossa imaginação.

Trememos pensando no futuro resultado da conversa que nunca tivemos com a menina linda que cruzou nosso olhar na rua. Trememos com as incertezas das provas e a terrível mania que as questões têm de se reescrever na pasta do professor.

Trememos com o medo do fracasso. Com o medo da solidão. Com o medo de se machucar.

Alimentamos os monstros do armário para que eles cresçam e virem nossas incertezas

Nossa imaginação cria respostas para tudo. Antecipa nossas idéias. É preconceituosa. Se conecta com a nossa insegurança para sabotar nossos desejos secretos.

Ela é responsável por todas nossas decisões. Se nos cativa, é um convite para entrar. Se nos assusta, é um muro. Não podemos parar de lutar com ela.

O nosso maior dom é também a nossa maior fraqueza.

Somos humanos, e mesmo assim morremos de medo de errar.

Crônica publicada no jornal O Farroupilha em 15/03/13

sexta-feira, 8 de março de 2013

Feitas para amar


Não existem palavras que traduzam a mulher, a gente tenta, escreve como pode. Mas nosso cérebro se perde quando elas aparecem perambulando pelo nosso pensamento.

Acabamos nos clichês. Repetindo adjetivos. Resumindo o infinito em reticências mudas.

Não damos conta de tanta beleza. Nos perdemos pelas curvas. Nas sombras do corpo. Na textura da pele.

Nos perdemos na leveza tão macia das suas caricias. E na dureza tão capaz dos seus esforços.

Nos perdemos nos seus olhares.

Ah! Os olhares... Tão belos. Quando nos perdemos nos seus lábios, são os olhos que nos falam toda a verdade.

São tão delicadas e doces. Tão brabas e apimentadas. Cheias de charme.

São tão frágeis nos braços do amor. Mas tão fortes com o amor nos braços.

Fortes como mães. Fortes pelos filhos. Fortes para a família.

Mulher sabe ser o sexo frágil na hora certa. Só para deixar o homem seguro. Realizado.

Mas no fundo nós todos sabemos. Que elas são as engrenagens da nossa vida.

Elas que fazem nosso mundo girar. Que nos levam a criar. Juntar dinheiro. Comprar conforto.

São elas que nos fazem construir e evoluir.

Nós só queremos ser tão vitais para vocês, como vocês são para nós.

Desejo parabéns a todas as mulheres pelo dia de hoje. Lutem pelos seus direitos. Vivam. Sejam livres para amar sem barreiras. Para sentir os prazeres do mundo. Sejam cada vez mais felizes. Mas por favor, nunca se esqueçam da gigantesca responsabilidade que é ser mulher. Vocês sabem que nós homens nunca poderíamos fazer o que vocês fazem.

Publicada no jornal O Farroupilha em 08/0313

sexta-feira, 1 de março de 2013

Viver




A vida é a parte complicada.

É a subida. O tombo. A descida. É a ladeira antes do mirante.

É a curva. O pedaço mais longo. A pedra no caminho.

A vida é o caminho.

É a sujeira na roupa. O suor no rosto. O cansaço. A luta.

São as manchas. As cicatrizes. Os traços. As linhas. As rugas.

Vida é o namoro, o casamento. Não é “felizes para sempre”. É a dúvida. A incerteza. O mistério.

Vida é o erro. O passo em falso. É perder as chaves de casa. Sentir o frio na barriga. Não saber o que fazer.

Vida é tentar. É querer mais. É a aventura. A chance de tudo dar errado.

A vida não é o atalho. Vida é incerteza. É perseguir os sonhos.

Não. A vida não é só sonhar. É correr atrás. Não é a segurança. É o risco.

Vida é o desejo. A vontade. A fome. A raça. A gana.

Vida é querer mais do que pode carregar. É dar um jeito. É insistir.

Vida é um passo de cada vez.

E que delicia é viver...

Publicada no jornal O Farroupilha em 01/03/13

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Carnaval de Rua




Não existe espaço para o preconceito no carnaval. Não adianta tentar, ele não cabe entre os confetes e a purpurina. Não consegue se encaixar entre a caixa e o bumbo da bateria. Ele se perde antes mesmo de virar a esquina com o bloco.

Carnaval é democracia. É a festa da rua. Não existe área vip. Não precisa pagar ingresso. Mas quem quiser entrar pra dança tem que rebolar.

O médico pode ser o mendigo. O jardineiro pode ser um rei. A empregada pode ser uma enfermeira. E o malandro pode ser o padre. Na folia não existe hierarquia. Ninguém é melhor que ninguém.

Todo mundo segue o mesmo balanço. O suor de um é suor de todos. O passo de um é o passo de todos. O coro é um só, e a alegria é geral. Felicidade compartilhada.

Dizem que carnaval é coisa de vadio. Que mentira, carnaval é coisa de família. Coisa de jovem. Coisa de mulher, de homem, de homossexual. Carnaval é festa pra malandro sim, mas também é festa pra santo. É festa pra quem quer soltar a voz. Pra quem quer dançar. Pra quem quer sentir o ritmo da percussão tremer o asfalto.

É verdade. Que por alguns dias o Brasil se esquece de reclamar da política. Que o número de acidentes aumenta. E que muitos problemas com drogas e bebidas acontecem.

Mas o carnaval é o maior exemplo de união que eu já vi. É a igualdade desfilando num único abraço entre foliões desconhecidos.

Num país tão desigual e tão cheio de problemas sociais. Num país com tantos movimentos culturais diferentes e tantas etnias. É uma maravilha ver um evento onde a diferença fica de fora, e dá lugar a alegria.

Tem que diga que o carnaval é uma vergonha para o Brasil. Que exporta para o resto do mundo a nossa falta de pudor. Eu vejo o carnaval como um orgulho. Exporta para todo mundo a nossa alegria e toda nossa falta de preconceito.