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sábado, 29 de dezembro de 2012

Lista de 2013




Nunca sei onde as minhas listas de final de ano vão parar. Eu até tento fazer um mapa para a vida. Policiar o rumo das minhas decisões. Mas meu coração toma as rédeas da situação e faz o que tem vontade. Não sabe ler.

Já que não tem jeito. Esse ano eu deixei que a lista de resoluções para 2013 ficasse nas mãos do meu coração. E resolvi publicá-la, para não fazer desfeita a ele.

1 – Não reclamar da chuva, do frio, do calor, do sol, ou do vento. Se molhar.
2 – Reciclar. A vida é para passar adiante. Egoísmo é medo.
3 – Dançar. Gaúcho também sabe sambar.
4 – Cantar e escrever. De dentro para fora. Não deixar nada na gaveta
5 – Terminar com a preguiça. Esse romance vive se esticando.
6 – Errar mais vezes. A tentativa da chance aos acertos.
7 – Fazer. Não existe dia certo para algo ruim. Não adianta empurrar a data para o próximo mês
8 – Rir e chorar. Tem espaço pra tudo. Não existe hora certa.
9 – Conectar-se. As pessoas são incríveis. A natureza é maravilhosa.
10 – Amar. É preciso cuidar bem do coração.

Até hoje, todas as listas de final de ano que eu escrevi terminaram com a mesma frase. É meu ponto final. A minha liberdade. Minha desculpa. Minha motivação.

11 - Seja feliz.

Felicidade é bem estar. Se ela estiver faltando. Não precisa nem terminar o ano para começar a fazer a mudança dos hábitos.

Quero terminar esse ano desejando muito amor a todos. Aos meus familiares, amigos, e leitores. Que possamos sempre ser um pouco melhores a cada nova manhã.

Obrigado a todos vocês que estiveram acompanhando minhas crônicas ao longo deste ano. Especialmente aos que já fazem isso desde a época em que escrevi o mosaico. As palavras são uma das minhas maneiras de transbordar. E sou muito feliz por poder dividir isso com vocês. Até ano que vem. Boas festas. Amor e luz para todos.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Nova Página

Arte: Abstract Blue Poppies in Sunrise, Ana Maria Edulesco


Que maravilha é o calendário. Virar a página é um alívio. É a mágica do recomeço. Precisamos das segundas feiras, dos primeiros dias do mês, e dos anos novos. Não suportamos a eternidade.

Seria tão duro aguentar o peso dos dias sem dividi-los em meses, e tão complicado suportar os meses sem poder dividi-los em anos. Assim fica mais fácil. Se não deu certo, podemos tentar de novo. Reinventar.

É a beleza de tudo que acaba. Primeiro sentimos tristeza. Saudades antecipada das coisas boas. Logo vem a decepção. Lamentamos tudo que não foi feito. Depois Erguemos a cabeça. E começamos a sonhar e reciclar sonhos. Marcamos a nova dieta. Decidimos lutar pelo amor verdadeiro, esquecer as distrações no caminho. Fazemos listas novas. Prometemos que quando o clima melhorar vamos correr todos os dias. Juramos que iremos nos dedicar aos estudos. E reabastecemos nossa força de vontade.

Essa é a graça de cada ano novo. Não deixa que a vida apenas siga em frente. Recicla.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Feliz Natal em Néon


arte: Coca Cola, 1937 advertisement 

Foi meu irmão quem me falou a verdade sobre o Papai Noel. Eu era pequeno, mas assim que ele descobriu, me contou. Fez bem, afinal, a mentira era uma das categorias que desqualificavam a criança para o presente de natal.

Eu já sabia que alguma coisa nessa história toda não cheirava bem. O bom velhinho estava em todo lugar. Nos comerciais, nos shoppings, em um carro na rua distribuindo balas, nas calçadas empurrando panfletos, e até mesmo escalando prédios diante de multidões. Quase um ex BBB tentando manter a fama.

Isso não é maneira de um cara como o Papai Noel se comportar. Ele toma coca-cola e pisca o olho para nos convidar. Anuncia a Tele-Sena e diz que é fácil ganhar. Vai à concessionária da Chevrolet e comemora a compra parcelada em 46 vezes com juros. Aposto que só não faz comercial de cigarros porque eles já foram proibidos.

Pobre do velhinho. Nasceu como uma figura gentil. E acabou virando a falta de criatividade e caráter das publicidades. Virou um grande empresário. Já fechou a própria fábrica e demitiu todos os duendes. Agora ele refina petróleo, terceiriza a construção dos presentes nas mãos das crianças da China, e ganha mais de 300% de lucro.

Talvez ele tenha ficado caduco. Quando começou com esse negócio de dar presentes, ele não era assim. Era coisa do coração. Queria escutar os sonhos das crianças. Alimentar os sorrisos. O cartão era mais importante que o presente. E a qualidade do presente não se media pelo valor. Era medida na conexão entre as pessoas.

Não culpem as crianças por isso. Todas as crianças que eu conheço gostam mais de brincar do que de brinquedos. Quem botou o preço nos presentes foi o adulto. Foi ele que etiquetou as mercadorias. E é ele quem dá valor aos nomes. Afinal, é o adulto que ensina a criança a brincar. Se quiserem culpar alguém pelo roubo do natal, culpem os adultos.

Eu sugiro algo diferente para a noite dessa véspera de natal. Escolha as pessoas que você mais ama, e faça o presente. De algo pessoal. Escreva uma carta. Faça um cartão. Abrace. De um beijo. Não de apenas o brinquedo. Brinque junto. Desligue a televisão, os especiais não valem à pena. Converse, não fofoque. Ensine que sonhos não têm etiqueta. E que para ser piloto, só precisa de cadeira e imaginação. Brinde ao calor da confraternização, não ao frio dos objetos. Se conecte. Ame.

Publica em 21/12/12 no jornal O Farroupilha

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Na Mesa



Eu não sei quem decidiu criar essa coisa de linguagem verbal. Mas eu duvido que a fala tenha nascido para alertar os perigos do cotidiano. Fazer juras de amor. Recitar poemas. A fala não se desenvolveu para aperfeiçoar brigas. Nem foi criada durante uma guerra qualquer. A fala nasceu em uma mesa, durante um almoço, um jantar, ou até em um boteco.

Não conseguimos dividir comida sem dividir histórias. A mesa é nosso fraco. Baixamos a guarda diante dos pratos. Nos curvamos nas cadeiras perante os alimentos. Os talheres que seriam armas em outras ocasiões, se transformam em aliados da paz. É um momento sagrado de conexão entre o grupo. A comida abre espaço para a compreensão.

É só prestar atenção nos costumes. A mesa está presente para abrir os assuntos mais importantes da vida. É item obrigatório em sala de reunião. Grande aliada na hora de fechar negócios.

É objeto de desejo em qualquer bar. Confidente dos bêbados. Tem gente que se engana, acha que é o garçom. Mas a mesa está sempre ali no meio. É a única que se lembra da noite inteira.

Recebemos nossas visitas na mesa. È a grande anfitriã das festas e ceias. Durante anos os arquitetos tentaram convencer as pessoas a se reunir na sala de estar. Mas nunca obtiveram sucesso. A cozinha sempre saiu vitoriosa nos números. É por isso que inventaram a cozinha americana. Para tirar o pó da sala e aumentar o espaço da conversa.

A mesa é até mesmo sinal de poder. Têm algumas tão cobiçadas, que às vezes necessitam atender a uma grande fila de reservas. São tratadas como especiais. Tem vista pro mar e um cardápio com nomes esquisitos. Mas elas nunca serão realmente diferentes da mesa do boteco da esquina, que serve todos os tipos de fritura e não faz questão das toalhas limpas. Ambas querem abrir nosso apetite pela comunicação. Nosso desejo de se conectar com outro ser humano.

Não importa o local da mesa. Não importa a qualidade da comida servida. O que importa, são as pessoas. A real função da ceia não é preencher o estomago. É preencher o coração. Nenhuma vista substitui uma ótima companhia.

Publicado no jornal O Farroupilha em 14/12/12

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Desfocado



Arte: Vision - J Andrel

Não consigo lembrar-me da infância sem visualizar um par de óculos no meu rosto. Era meu companheiro. Meu tradutor. Sem ele, o mundo ficava distante. Indecifrável. Um sorriso era igual a uma lágrima. Uma bola era uma mancha branca borrada. E a televisão era arte abstrata moderna capaz de emitir sons. Eu vivia em dois mundos, e os óculos eram a minha ponte entre eles.

Eu era muito pequeno quando comecei a usar óculos. Tão pequeno, que a armação, que era mais da metade do meu rosto, era alvo do olhar penoso dos mais velhos. Eles achavam os dois fundos de garrafa que aprimoravam minha visão, um fardo muito grande para uma criança tão pequena carregar. Eu não me importava. Foi fácil botar os óculos na minha vida. Não bati pé. Nem fiz manha. Meu problema de visão sempre foi maior que a minha vaidade.

Usava as cordinhas na armação para ter certeza de que não os perderia. E quando eu os tirava, tentava memorizar o local exato de onde os havia deixado. Eu tinha que ficar esperto. A minha mistura de miopia com astigmatismo gostava de me confundir. Primeiro ela escondia os objetos pela casa, e as pessoas pela rua. Depois ria da minha cara quando eu passava um bom tempo procurando o que ela havia escondido logo na minha frente. Sempre me enganou. Mas, apesar de tudo. Nós nunca fomos inimigos.

Crescer com os óculos no rosto e um grande problema de visão nos olhos, me deixou desfocado do mundo. As lentes de vidro até foram capazes de me situar. Me aproximar do cotidiano de quem enxerga sem ajuda. Mas elas são muito seletivas. Focam apenas no centro, enquanto os olhos transformam o resto em um borrão distorcido.

É por isso que eu mergulhava nos livros. Eu podia enxergar o mundo das palavras como eu quisesse. Ninguém podia me dizer o que era certo ou errado na textura das paisagens, e nos traços dos personagens. Se no mundo real eu precisava usar minha imaginação para dar detalhes aos borrões, no mundo dos livros isso era uma obrigação.

Meu problema de visão me fez ter o desapego a estética material. Não dava importância para as imagens. Até hoje eu não sou capaz de decorar os formatos dos carros. Para mim, todos os carros têm um único nome. A diferença além do conforto, é que alguns gastam mais combustível do que os outros.

Eu até podia estar ali. Viver, tocar, e caminhar no mundo como qualquer pessoa. Mas meus olhos estavam sempre voltados para dentro. Focados nos meus pensamentos. Bolando teorias. Criando letras de música. Imaginando cenas. Não havia nenhuma distração com as grandes belezas do mundo. Os óculos me fizeram introspectivo, mesmo eu sendo uma pessoa extrovertida.

Aos 14 anos, ganhei minhas primeiras lentes de contato. Foi como ser sugado para o mundo real. Nunca esqueço a sensação. Me senti parte do grupo. Conectado com a distância. Me lembro de olhar para o horizonte pela primeira vez de verdade, e me perguntar se as pessoas entendiam a beleza daquilo tudo.

Tive que re-acostumar os meus olhos. Eles estavam tão viciados no chão, que ao enxergarem tantos detalhes de uma só vez, me deixaram tonto. Eu estava em êxtase. Aquele dia mudou meu mundo, eu troquei o desinteresse pela paixão. Conectei o meu interior com o exterior. E comecei a mergulhar nas texturas do mundo.

Ver. É inexplicável. É lindo. Os detalhes do tempo nos rostos e nas mãos. As linhas do horizonte. As estrelas em noite de céu limpo. O olhar que não necessita nem de palavras pra se comunicar. As árvores e o concreto. As pichações que assinam os muros. E até mesmo o lixo. Tudo vale a pena pela visão do mundo.

È claro que as lentes de contato não são iguais a uma visão perfeita. Elas secam, se deslocam, irritam, perdem o foco, e precisam ser guardadas a noite. Não vou negar que eu gostaria de não precisar das lentes para enxergar o mundo com qualidade. E que eu adoraria ver a lua pela janela quando acordo a noite. Mas sou muito agradecido a vida. Ela me deu o problema, e eu consegui entender o valor da beleza.

Eu ainda não associo o nome aos carros. Existem coisas mais bonitas para a visão decorar

Crônica publicada no jornal Visão do Vale em 11/12/12

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Dezembro


Arte: Four Seasons - Luiza Vizoli

Então é natal. Não tem mais desculpa. As lojas já deixaram de estar antecipadas com as suas decorações. A televisão já anuncia com data marcada os especiais de final de ano. As casas já brilham e piscam a noite toda. E o cinema já está dominado pelos filmes cheios de neve. Não tem mais como empurrar, o papai Noel já foi chamado.

O último mês do ano é quase um julgamento da inquisição. Entramos em debate com nossa consciência. Fazemos listas para medir nossa competência. Somamos os segundos do ano para verificar se eles foram bem utilizados durante a nossa vida.

Ninguém escapa do julgamento. Quando somos crianças, já nos avisam: O velinho sabe de tudo, quem não foi bom durante o ano, não ganha presente.

Dezembro é uma rocha nas nossas cabeças. Nos tornamos filósofos da nossa história. Nosso mundo vira uma única pergunta com o objetivo de cutucar nossa insatisfação.

Onde foram parar os últimos onze meses?

Os meus não desapareçam. Estão aqui, atrás dos olhos. Embaixo da pele. Dentro da minha cabeça e da minha barriga. Nas linhas das mãos, e nos traços do rosto.

Nos últimos onze meses eu me somei junto com todas as palavras que escrevi e com todas as conversas que tive. Junto com os treze livros que li.  Com toda poesia que vivi. Com os braços que me envolveram, e com as pessoas que deixei meus braços envolverem.

Ensinei e aprendi. Ajudei, e fui ajudado. Me mudei e mudei a mim mesmo. Vi diversos pores-do-sol. Tomei vários banhos de chuva (alguns intencionais). Caminhei muitos quilômetros. Cantei. Dancei. Tropecei. Bati algumas vezes o dedinho do pé. Chutei calçada. Queimei a língua. Quase me afoguei (duas vezes). Não comi carne. Comemorei os pequenos sucessos. Me revoltei nos pequenos fracassos. Chorei. Dei risada. Corri atrás dos meus sonhos. E respirei.

Não existe aparelho capaz de medir o sucesso de um ano. Nada pode entregar dados exatos, com provas numéricas. Talvez a única maneira de se medir o sucesso da vida, é a felicidade.

Felicidade nunca mente. Entrega o resultado positivo dos últimos 11 meses sempre com um grande sorriso.

Publicado no jornal O Farroupilha em 7 de dezembro de 2012