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terça-feira, 24 de maio de 2011

Qual?


Escolher é uma rotina. Tudo começa pela manhã quando a vontade de dormir entra em conflito com a vontade de acordar. Depois tudo vira teste de vestibular.


A cor da roupa. Café ou suco. Tênis ou sapato. Caminhada ou transporte.

Até o almoço vira prova. Gabaritar num Buffet é como passar em medicina, anos de estudo pra poder acertar a quantidade de comida suficiente para a fome.

É pura matemática.

Aprendemos a escolher quando crianças, quando entendemos o significado da palavra “Qual”. É um momento difícil, que nos transforma para a vida inteira. É Descobrir que não podemos ter tudo. Que não podemos ser atletas profissionais, artistas, astronautas, bombeiros, e pilotos de corrida ao mesmo tempo. Aprendemos a selecionar os sonhos. A somar e subtrair as conseqüências.

São anos estudando matemática. Tornamo-nos videntes. Supercomputadores capazes de processar grandes quantidades de dados a cada milésimo de segundo. Somos profetas do nosso futuro e ainda assim usamos a palavra “se...”.

Não temos certeza se escolhemos a resposta certa. Se a escolha das palavras foi correta e a hora foi errada. Se a camiseta vermelha faria alguma diferença. Se o suco melhoraria a saúde. Se o tênis evitaria o cansaço. Se a caminhada poderia evitar um possível infarto.

Nunca teremos certeza se deveríamos ter dormido a mais, perdido o emprego, e começado a treinar para sermos atletas profissionais, artistas, astronautas, bombeiros e pilotos de corrida. E nunca saberemos se devíamos ter realmente largado o emprego.

Nuca iremos saber como seria a vida a partir da decisão errada. E nunca saberemos como seria a vida a partir da decisão correta. Nunca vamos tirar dez. Nunca vamos tirar zero. Escolha é questão de opinião. Não existe gabarito.

Levantar da cama é escolher. E ficar deitado nela é escolher também.

Escolha é divisão, se fosse soma era fácil.


quinta-feira, 19 de maio de 2011

Bom Dia


Não gosto das cortinas fechadas.

O sol é meu despertador favorito, não faz escândalo. Aumenta a claridade aos poucos e cria o clima ideal para abrir os olhos. Só falha em dia de chuva, propositalmente, por saber que mesmo que estivesse brilhando, nós iríamos usar a chuva como desculpa para dormir mais.

Eu acordo primeiro.
Gosto da manhã de rosto sem maquiagem, de cabelo amassado, do bom dia rouco e do beijo preguiçoso.

Gosto de ficar na cama deitado ouvindo os pássaros enquanto o sono dela se prolonga por minutos extras. Gosto da preguiça dela e de como ela me pede pra ficar mais, e quando eu minto que quero sair, eu gosto de como ela se abraça em mim num pedido não verbal. Gosto de ficar mais.

O bom dia, o riso satisfeito, e o corpo se esticando por completo.

Levanto primeiro.
Eu gosto de manhã comprida e de café da manhã demorado, com os cotovelos preguiçosos apoiados na mesa, e com a cabeça apoiada na mão, vendo ela se espreguiçando e respondendo aos meus bocejos com sorrisos. Gosto de retribuir bocejos. Conversamos assim, entre bocejos e sorrisos. É o idioma oficial da manhã. A voz amanhecida, o olhar sonolento e a moleza do corpo. Toda beleza das primeiras horas do dia sendo saboreadas junto com o pão e o beijo de café.

Gosto de acordar.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Super Mãe

Nas histórias em quadrinhos, os super heróis geralmente ganham seu poderes ao entrarem em contato com a radioatividade. No mundo real, a única maneira que conheço de ganhar super poderes, é a gravidez.

A gravidez transforma a mulher numa mãe. E todo filho sabe que a mãe é dotada de super poderes.

Mãe tem a capacidade de adivinhar as dores do bebe que ainda não fala, e de saber que alguma coisa está errada com você só pelo som da sua voz. Não importa a idade do filho, ela o olha, avalia seus movimentos, a cor da pele, a entonação da voz, a postura, os olhos, e já recebe um diagnóstico instantâneo sobre suas noites de sono, sobre a comida que anda comendo, e sobre os problemas da sua vida também.

Mãe é o primeiro contato da vida. Ela nos protege antes mesmo de nos conhecer. Nós filhos nunca nos lembramos da primeira vez que a vimos. Mas ela provavelmente ira lembrar para sempre a primeira vez que nos viu. A minha lembra, diz que a primeira coisa que fez foi olhar bem o meu rosto e guardar na memória. Não queria que alguém trocasse seu filho com outro. Faz sentido após nove meses protegendo a vida que se formava em seu corpo.

Filhos podem moldar os super poderes de uma mãe. A minha se viu obrigada a prever o futuro. Com dois filhos do sexo masculino, ela sempre precisou prever os machucados antes que eles acontecessem, claro que nem sempre pode evitar. A mãe sabe que de vez em quando o filho precisa de uma lição.
Ela é capaz de prever o tempo melhor que satélites. É só me ver saindo que já pede: Tu vai ir só assim? Pega um moletom. Eu como sei bem representar um papel de filho, digo: imagina, não precisa mãe. O que a mãe não sabe, é que o filho sempre admite depois: Droga, não é que ela tinha razão. A mãe acerta mais o tempo do que a previsão da TV.

E apesar de todos os avisos dados: Olha guri, não vou falar mais, depois se tu ficar doente não vem chorar pra mim que eu não vou te cuidar. Ela ainda teve que ser médica e enfermeira.

Mãe é antônimo de egoísmo. Divide o amor em partes iguais para seus filhos. Assim como fazia com o resto de suco no meu copo e no copo do meu irmão no café da manhã.

É ela quem acha tudo que está perdido, e que sabe o lugar de todas as coisas da casa. Ela que deixou de comer o último bolinho para deixar para o filho. Que diz que estou magro. Ela que sempre tenta responder a todos chamados de mãe que recebe. Que viu meu cabelo crescer. Que me viu cortar o cabelo. Que entendeu que são coisas da idade. Que me deixou dormindo no sofá mesmo quando eu insistia que só estava descansando os olhos. Que me levava para compromissos e ficava esperando até eles acabarem para poder voltar. Que fica feliz em ver seus filhos felizes. Que escutou minhas primeiras músicas. Que me incentivou a continuar. Que entendeu que eu não quebrei o enfeite por querer. Que preparou o lanche sabendo que o não era na verdade um sim. Que xingou, ensinou, e educou. Que deu carinho, atenção, e amor.

É claro que nos quadrinhos, os super heróis protegem o mundo com seus poderes. Mas na vida real não é tão diferente assim, afinal elas usam os poderes delas para proteger os filhos, e se perguntar o que os filhos são para elas, elas dirão que os filhos são o mundo delas.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Notas do Autor

Escrever é um ato de vandalismo, é abrir todas as suas gavetas, revirar os armários, destrancar portas e limpar o porão.

É tirar a roupa na frente de uma enorme platéia, mostrar e explicar cada mínimo detalhe do corpo, e se prender nos principais defeitos.

Escrever é doar o seu passado, seu presente, pensar em todas as conjugações e só usar aquela que compreende.

É se doar. Se mutilar. Se cozinhar e se servir como prato principal. Sem tempero.

É pegar a mais simples das coisas, separar cada partícula, olhar por diversos ângulos e montar novamente.

É olhar beleza e procurar os defeitos. É achar a beleza dos defeitos. É ser parcial.

É tornar um simples momento numa coisa linda que nunca vai se igualar a experiência do simples momento.

É deixar as janelas abertas durante a noite e ligar a luz.

Escrever é se entregar, confessar. É roubar vidas e pegar emprestadas idéias. É ser esquizofrênico, bipolar, ter infinitas personalidades e ser sincero em cada uma delas. 

Escrever é pintar um quadro com as palavras. É tirar as imagens da cabeça, descrevê-las, detalhá-las, e ainda assim saber que tudo que você imaginou será interpretado e imaginado de maneira diferente. Mesmo que parecida.

Ler é escrever para si mesmo o que foi escrito por outro.

Escrever é espremer todo suco da fruta. Botar a casca no liquidificador, misturar e servir. Sem água.

Escrever é a dose a mais de uísque sem gelo. É falar tudo o que quer pra gente que não conhece, e acordar no dia seguinte se perguntando o que fez.

Ser Leitor é ser o garçom.

Escrever é a culpa, o remorso, a saudade, a felicidade, a raiva, a fraqueza, o desejo. A fuga.

Escrever é rir de si mesmo, amassar o passado e jogar no lixo.