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sexta-feira, 3 de maio de 2013

Apaixonado


Sou um apaixonado.

Não preciso de muito para desenhar um sorriso no meu rosto.

Pode ser um dia de sol. Um banho de chuva. Um tempo ao ar livre. Uma tarde em baixo das cobertas.

Pode ser um beijo demorado. Um abraço apertado. Uma mesa cheia de amigos. Um canto só meu. Uma roda de música. O barulho da natureza.

Não consigo evitar. As pequenas coisas da vida me tocam.

Elas me pegam de jeito. Me dominam. Me tiram o fôlego. Me jogam de um lado para o outro no balanço da vida.

Caminho pelas ruas e meus olhos brilham. Sou uma antena. Não posso bloquear. Meu coração pulsa mais forte com os gestos das pessoas.

É só ver uma mãe apertando apaixonadamente o filho que eu já fico bobo. Não precisa muito. Dois velhos amigos jogando domino na praça são o suficiente para que meus dentes se revelem por trás de um sorriso.

Se eu vejo a garotada correndo pela calçada, desviando dos mais velhos, e brincando com o mundo que os espera pela frente, eu logo viro criança, e driblo a responsabilidade de ser maduro por alguns segundos.

Eu fico mole com o amor dos outros. E o amor está por todo lado.

São os dedos do músico de rua acariciando as cordas do violão. É um casal qualquer arrastando as horas da tarde na beira do mar. São cachorros brincando de pega-pega por entre as esquinas. São as pessoas e o mundo se misturando em harmonia.

Eu sou feliz nos detalhes. Nos segundos. Nos suspiros.

Eu sou feliz por tabela. Um reflexo do brilho dos outros.

Os apaixonados são assim. Felizes de coração inteiro.

Publicado no jornal O Farroupilha em 3 de maio de 2013

domingo, 31 de março de 2013

Chocolates


Sempre fui ansioso. É da minha natureza. Lembro que não conseguia dormir direito na noite anterior ao domingo de páscoa. Era meu feriado favorito.

Não é que eu seja fanático pelos chocolates. Eles sempre duravam meses em minhas mãos.

Eu gostava mesmo era da aventura. Acordava meu irmão e o convencia a levantar para acharmos os chocolates.

Não acreditava em Papai Noel, mas jurava que o coelhinho da páscoa era de carne e osso. Ele invadia a minha casa a noite, comia a cenoura, tomava o Nescau, e deixava bilhetes e pegadas por toda a casa.

Na época eu não imaginava que as pegadas eram de farinha e feitas pelas mãos dos meus pais. Não fazia nem idéia de que a caligrafia do coelho era exatamente igual à caligrafia do meu pai.

Até achava estranho que o coelhinho não fazia o mesmo pelas outras casas. Que somente o meu lar era o escolhido para virar uma caça ao tesouro, com pistas espalhadas dando dicas da localização de todos os chocolates que ele havia esquecido pelas gavetas e armários.

Com o tempo eu perdi a ingenuidade de criança, e descobri tudo. Mas confesso que a brincadeira não perdeu a magia. Ainda aconteceu por algum tempo. Sem as pegadas no carpete, é claro, já que elas davam trabalho na faxina. Mas com pistas cada vez mais complexas e divertidas.

A Páscoa não era a ressurreição de Jesus. Não era o chocolate. Não era o coelho. A Páscoa era o amor e a dedicação dos meus pais por mim e pelo meu irmão. Eram os detalhes. O cuidado. Tudo que eles faziam para cativar nossa imaginação e a nossa curiosidade.

Essas histórias se tornaram marcas de pura felicidade em minha vida. E só foi necessário o amor, e o tempo de meus pais para que acontecessem. Nunca precisei ganhar um chocolate importado ou um ovo gigante com um brinquedo no meio para poder sorrir. Só precisei de amor.

Agradeço aos meus pais por me ensinarem que as melhores partes da vida são embrulhadas em sentimentos.

Publicada no jornal O Farroupilha em 29 de março de 2013

sexta-feira, 22 de março de 2013

Sem Medidas





Quem ama não arranja motivos.

É simples. O amor não se mede pelo número de tópicos numa lista de positivos e negativos. O amor não é numerado, não tem marcadores de página. Não tem extrato.

Ele se perde entre as vírgulas. Ele deixa as reticências tomando conta do coração.

Quem ama não sabe se traduzir em um porquê.

É direto. É um ponto final. É uma jura de pés juntos e teimosa que não sabe nem se está realmente certa.

Quem ama não sabe as respostas

Não duvida do potencial de seu coração. Marca a questão pelo impulso dos sentimentos. É um chute. Não se importa com a nota final.

Quem ama não se prepara

É um deslize. Um esbarro. Um tropeço. Uma colisão que acontece mesmo depois de todas as precauções terem sido tomadas.

Quem ama não se questiona.

Faz vista grossa. Passa por cima dos detalhes.  Tem todos os motivos mas não faz questão de saber nenhum.

Quem arranja boas desculpas para amar, está perdido. Tem dúvida. Mergulha com um pé atrás.

O amor não conta vantagens. Não espera a eternidade. Não busca perfeição.

Não é o amor que precisa de motivos. É o interesse.

O amor não tem manual.
O amor não tem lados.
O amor não tem centímetros.

ublicado no jornal O Farroupilha no dia 22/03/13

sexta-feira, 15 de março de 2013

E Se...




A imaginação é tinta. É lápis de cor. São dedos inquietos e a caneta cheia na frente da folha da realidade.

Ela é capaz de inventar grandes amigos, e transformá-los em nossos colegas de quarto. É capaz de criar nossos piores monstros, e ainda alugar o armário ao lado da cama para eles.

Tem gente que acha que imaginação fértil é coisa de criança. Que ela morre precoce. Assim que a adolescência nasce.

Na verdade a imaginação cresce junto, tira as fraldas e veste nossa maturidade. Somos eternos subordinados. Reféns dos nossos medos. Juntamos o “e” com o “se...” e trememos na turbulência da nossa imaginação.

Trememos pensando no futuro resultado da conversa que nunca tivemos com a menina linda que cruzou nosso olhar na rua. Trememos com as incertezas das provas e a terrível mania que as questões têm de se reescrever na pasta do professor.

Trememos com o medo do fracasso. Com o medo da solidão. Com o medo de se machucar.

Alimentamos os monstros do armário para que eles cresçam e virem nossas incertezas

Nossa imaginação cria respostas para tudo. Antecipa nossas idéias. É preconceituosa. Se conecta com a nossa insegurança para sabotar nossos desejos secretos.

Ela é responsável por todas nossas decisões. Se nos cativa, é um convite para entrar. Se nos assusta, é um muro. Não podemos parar de lutar com ela.

O nosso maior dom é também a nossa maior fraqueza.

Somos humanos, e mesmo assim morremos de medo de errar.

Crônica publicada no jornal O Farroupilha em 15/03/13

sexta-feira, 8 de março de 2013

Feitas para amar


Não existem palavras que traduzam a mulher, a gente tenta, escreve como pode. Mas nosso cérebro se perde quando elas aparecem perambulando pelo nosso pensamento.

Acabamos nos clichês. Repetindo adjetivos. Resumindo o infinito em reticências mudas.

Não damos conta de tanta beleza. Nos perdemos pelas curvas. Nas sombras do corpo. Na textura da pele.

Nos perdemos na leveza tão macia das suas caricias. E na dureza tão capaz dos seus esforços.

Nos perdemos nos seus olhares.

Ah! Os olhares... Tão belos. Quando nos perdemos nos seus lábios, são os olhos que nos falam toda a verdade.

São tão delicadas e doces. Tão brabas e apimentadas. Cheias de charme.

São tão frágeis nos braços do amor. Mas tão fortes com o amor nos braços.

Fortes como mães. Fortes pelos filhos. Fortes para a família.

Mulher sabe ser o sexo frágil na hora certa. Só para deixar o homem seguro. Realizado.

Mas no fundo nós todos sabemos. Que elas são as engrenagens da nossa vida.

Elas que fazem nosso mundo girar. Que nos levam a criar. Juntar dinheiro. Comprar conforto.

São elas que nos fazem construir e evoluir.

Nós só queremos ser tão vitais para vocês, como vocês são para nós.

Desejo parabéns a todas as mulheres pelo dia de hoje. Lutem pelos seus direitos. Vivam. Sejam livres para amar sem barreiras. Para sentir os prazeres do mundo. Sejam cada vez mais felizes. Mas por favor, nunca se esqueçam da gigantesca responsabilidade que é ser mulher. Vocês sabem que nós homens nunca poderíamos fazer o que vocês fazem.

Publicada no jornal O Farroupilha em 08/0313

sexta-feira, 1 de março de 2013

Viver




A vida é a parte complicada.

É a subida. O tombo. A descida. É a ladeira antes do mirante.

É a curva. O pedaço mais longo. A pedra no caminho.

A vida é o caminho.

É a sujeira na roupa. O suor no rosto. O cansaço. A luta.

São as manchas. As cicatrizes. Os traços. As linhas. As rugas.

Vida é o namoro, o casamento. Não é “felizes para sempre”. É a dúvida. A incerteza. O mistério.

Vida é o erro. O passo em falso. É perder as chaves de casa. Sentir o frio na barriga. Não saber o que fazer.

Vida é tentar. É querer mais. É a aventura. A chance de tudo dar errado.

A vida não é o atalho. Vida é incerteza. É perseguir os sonhos.

Não. A vida não é só sonhar. É correr atrás. Não é a segurança. É o risco.

Vida é o desejo. A vontade. A fome. A raça. A gana.

Vida é querer mais do que pode carregar. É dar um jeito. É insistir.

Vida é um passo de cada vez.

E que delicia é viver...

Publicada no jornal O Farroupilha em 01/03/13

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Carnaval de Rua




Não existe espaço para o preconceito no carnaval. Não adianta tentar, ele não cabe entre os confetes e a purpurina. Não consegue se encaixar entre a caixa e o bumbo da bateria. Ele se perde antes mesmo de virar a esquina com o bloco.

Carnaval é democracia. É a festa da rua. Não existe área vip. Não precisa pagar ingresso. Mas quem quiser entrar pra dança tem que rebolar.

O médico pode ser o mendigo. O jardineiro pode ser um rei. A empregada pode ser uma enfermeira. E o malandro pode ser o padre. Na folia não existe hierarquia. Ninguém é melhor que ninguém.

Todo mundo segue o mesmo balanço. O suor de um é suor de todos. O passo de um é o passo de todos. O coro é um só, e a alegria é geral. Felicidade compartilhada.

Dizem que carnaval é coisa de vadio. Que mentira, carnaval é coisa de família. Coisa de jovem. Coisa de mulher, de homem, de homossexual. Carnaval é festa pra malandro sim, mas também é festa pra santo. É festa pra quem quer soltar a voz. Pra quem quer dançar. Pra quem quer sentir o ritmo da percussão tremer o asfalto.

É verdade. Que por alguns dias o Brasil se esquece de reclamar da política. Que o número de acidentes aumenta. E que muitos problemas com drogas e bebidas acontecem.

Mas o carnaval é o maior exemplo de união que eu já vi. É a igualdade desfilando num único abraço entre foliões desconhecidos.

Num país tão desigual e tão cheio de problemas sociais. Num país com tantos movimentos culturais diferentes e tantas etnias. É uma maravilha ver um evento onde a diferença fica de fora, e dá lugar a alegria.

Tem que diga que o carnaval é uma vergonha para o Brasil. Que exporta para o resto do mundo a nossa falta de pudor. Eu vejo o carnaval como um orgulho. Exporta para todo mundo a nossa alegria e toda nossa falta de preconceito.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Enchente


foto: Antonio Dal Bó

Sempre gostei de água. Era o tempero para alegrar qualquer uma das minhas brincadeiras da infância. Não podia ver uma torneira que meus dedos coçavam. Arrumava pretexto para poder ligar a mangueira no jardim, e quando ninguém estivesse olhando, eu jogava água para cima. Adorava me molhar.

Admito que nem sempre gostei de banho. Mas se eu tivesse um chuveirinho, o banho virava revista em quadrinhos. Eu ganhava o super poder de controlar a água, me transformava em um super herói.

Mas água não é coisa controlável. Não adianta pedir por favor. Ela não faz uso dos bons modos. Quando ela quer passar, não pede licença.

Há alguns dias atrás, eu voltava de um ensaio perto do Maracanã junto com quatro amigos, quando o sol fugiu junto com a tarde quente do Rio de Janeiro, e deixou a chuva brincar com os rios que cruzam o bairro.

A água não tinha para onde fugir, e muito menos nós, que fomos pegos de surpresa no meio da enchente. Nos vimos obrigados a abandonar o carro, e a carregar os instrumentos em cima da cabeça.

Me lembrei de como achava a água da mangueira maleável em minhas mãos, e percebi o quão maleável todos nós éramos no rio de sacolas plásticas e sujeira que subiu até a altura das maçanetas do carro.

Eu estava caminhando pelo novo rio que brotou ao lado do Maracanã, tateando buracos com os pés, quando uma moradora de rua me ofereceu abrigo em seu lar, junto com os outros diversos moradores de rua que também viviam em baixo daquele viaduto. Eles nos ajudaram, e ao me verem tremendo de frio, me ofereceram uma camiseta seca.

O rio subiu mais. E tivemos que abandonar o abrigo do viaduto para subir mais também. Quando tudo passou voltei para ver como todos estavam. Eles haviam conseguindo salvar muito do pouco que tinham. E me pediram se todos nós estávamos bem. Saí de lá recebendo desejos de benção e amor de quem quase nunca recebe benção e amor.

Nada pode parar uma enchente. Ainda bem que o amor é como a água, quando transborda, leva tudo que estiver pelo caminho.

Publicado no jornal O Farroupilha em 08/02/2013

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Na Foto


Arte: Oliver Ray

Somente as crianças são sinceras. Basta olhar o álbum de fotografias.

Criança não finge sorriso pra sair bem na foto. Não pensa em fantasiar futuras intimidades com aquele milésimo de segundo registrado para a eternidade.

Se ela esta triste, vai sair fazendo bico. Vai manter a cara amarrada. Os olhos cheios de lágrimas e as bochechas vermelhas.

Se ela esta feliz, vai sair com o olho brilhando. Sorriso banguela. Com cara de quem faz arte e se diverte com o momento.

Criança não faz pose de modelo. Não ajeita o cabelo. Não pede pra bater a foto de novo porque saiu de olho fechado. Criança é natural. A única maquiagem que quer usar é a do próprio humor.

Eu moro no Rio de Janeiro. É normal ser chamado para bater foto para alguém na rua em algum lugar turístico. Sempre aceito. Gosto de poder registrar a tentativa que as famílias fazem para transformar as férias em um comercial de margarina.

As mães sempre se esforçam. Botam um sorriso estático no rosto e brigam com os filhos entre os dentes. O filho acostumado desfaz a careta, sabe que nunca vencerá dessa maneira. Ele espera o momento certo, e quando a mãe olha para a câmera, sua careta vira registro fotográfico na frente da praia de Ipanema.

Em vez de ensinarmos as crianças a fingir. Deveríamos aprender a nos expor como elas

Crianças não disfarçam os medos. Não maquiam as tristezas. Não escondem as inseguranças. E muito menos a felicidade.

Criança não tem medo de perguntar. Não tem medo de parecer ignorante. Não tem medo de não agradar.

Criança não tem vergonha de chorar na rua. De gargalhar em igreja. Nem de dizer que a comida está ruim.

Criança não finge em fotografias porque não finge na vida.

Publicado no jornal O Farroupilha no dia 01 de fevereiro

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Continua...


Dedicado em memória de David Olivo.

A terra continua girando
O tempo continua seguindo
A noite continua viva

Nenhuma onda deixou de quebrar
Nenhum pingo não tocou o chão
Nenhuma árvore trocou de lugar

A lua não apagou de repente
O vento não parou de soprar
O ciclo das marés continua inalterado

O transito segue normalmente na orla do Leblon
As luzes continuam brilhando em Ipanema
Os moto-taxis não deixaram de subir e descer a rua do Vidigal

Ninguém diminuiu o passo no calçadão
Ninguém parou de sorrir no bar
Ninguém tossiu envergonhado nas escadarias

Mas um mundo acabou.

Um mundo deixou de respirar
Um mundo deixou de pulsar
Um mundo deixou de sonhar

Um mundo que nasceu filho
Que virou amor, virou pai, virou avô
Um mundo que se espalhou

Um mundo finito virou infinito
Um mundo mortal virou imortal
Um mundo eterno

O mundo é tão grande para um mundo tão pequeno
Ah! Mas que grande diferença faz um pequeno mundo!
Vira um mundo inteiro em todos que o aprendem.

Nenhum terremoto abriu o chão
Nenhuma enchente alagou a cidade
Nenhuma erupção cobriu as montanhas

Mas meu mundo tremeu
Meu mundo chorou
Meu mundo se cobriu de saudades

A vida continua levando a vida
A vida continua levando
A vida continua...

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Lágrimas




Meu domingo amanheceu longe do Rio Grande do Sul. Mas nem precisei sair da cama para meu coração voltar para as terras gaúchas.

O bom dia negro das notícias de Santa Maria encheu meus olhos de lágrimas.

Senti a compaixão de quem também sai à noite. Senti a compaixão de quem também trabalha em boates e festas.

Senti a compaixão de quem também sonha. Senti a compaixão de quem também ama.

Senti a compaixão de quem também faria de tudo para salvar os outros. Senti a compaixão de quem também nunca consegue achar a saída.

Chorei.

Como não chorar? Não precisava nem conhecer ninguém para chorar. Eram todos jovens, assim como eu. Eram todos sonhos. Eram todos esperança. Eram todos presentes, cheios de futuro. E agora são lágrimas. Passado.

Lembrei de todas as vezes que minha mãe me disse “Boa festa”. Lembrei de todas as vezes que meu pai falou “Te cuida, avisa quando chegar”. Lembrei de todas as vezes que virei os olhos para indicar que nada iria acontecer. Lembrei de quando fiquei brabo por me ligarem quando ainda não havia voltado.

Chorei pelos pais. Chorei pelos irmãos. Chorei pelos namorados e namoradas. Chorei pelos amigos.

Chorei por todos que só queriam dançar.

Chorei por todos que só queriam conhecer pessoas.

Chorei por todos que só queriam celebrar a vida.

Chorei por todas as chamadas não atendidas.

Chorei por todos que não poderiam chegar com cara de sono no almoço de domingo.

Chorei por todos que não disseram boa noite.

Chorei por todos que não pegaram um taxi. Por todos que não ligaram para o pai ir buscá-los. Por todos que não saíram dirigindo. Por todos que não saíram caminhando.

Chorei por todos que não voltaram para casa.

Eu sei que é coisa da vida. Todos nós sabemos o quão frágil ela é.

Todos nós sabemos que tudo é passageiro. Que tudo é perecível.

Mas não podemos evitar a tristeza de ver a alegria virar lagrima. Não podemos evitar a tristeza de ver a juventude acabar antes de o sol nascer.

Não pude evitar minhas lágrimas. Logo eu, que sou um otimista.

Chorei junto com o mundo todo, por todos aqueles que perderam a chance de mudar o mundo.

crônica publicada no jornal Visão do Vale em 29/01/13

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Arte Moderna


Arte: Linda Powell

Quando o mundo se acomoda no sofá, a modernidade chega e bate na porta.

Não existe tempo para o descanso. Quem dorme perde o trem. Vira conservador. Um viciado do passado, que transforma nostalgia em nicotina.

Ninguém me engana. Quem fala que o mundo era melhor antigamente, perdeu o balanço do tempo. Caiu fora da roda da vida. Tenta compensar criticando a modernidade. Construindo um muro. Mas não adianta. Se o conservador é muro. A modernidade é grafite.

Conservador gosta de rotina. Tem medo de ser desafiado. Quer garantir a própria segurança. Não quer ninguém para tirá-lo da sua zona de conforto. Pelo contrario quer fazer todo mundo se acomodar com ele.

Conservador odeia a modernidade, porque ela tira seu poder. Ele se sente incapaz ao não conseguir repetir o passado diante de seu futuro. Especialmente com as crianças.

Antigamente, todas as informações sobre os filhos vinham dos vizinhos e da escola. E com uma surra e um castigo, os pais podiam controlar o conhecimento do filho.

Com a internet, controlar o conhecimento das pessoas virou impossível. Bater e surrar não assusta mais. E o conservador que não aprendeu a abraçar e conversar. Não vai poder ensinar o mais importante para a criança saber moldar todo conhecimento que adquire. O amor.

Tenho dó dos conservadores. Afundando no tempo. Querendo achar a igualdade em um mundo cheio de singulares. Um mundo cheio de gente que aprendeu a pensar por conta própria. Que se re-desenhou. Gente que era arte clássica e virou arte moderna.

Arte moderna são as pessoas que querem dar uma segunda chance ao ser humano. São as pessoas que lutam pelos direitos dos animais. São os politicamente corretos. As mulheres que amam e gozam. Os homossexuais passeando de mãos dadas. São os esquisitos.

Arte moderna sempre recebe péssimas críticas no começo. Mas a modernidade sempre acaba mostrando que ela era uma obra prima depois que o mundo a aprende.

Publicada no jornal O Farroupilha no dia 25/01/13

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Escala




Somos tão pequenos. Tão breves.

Um suspiro entre eras. Uma vírgula entre histórias.
Um nó na linha do tempo. Uma nota na partitura.

Só um grão de vida escondido num canto do universo.
Nada mais que um ser humano no planeta terra.

Não somos centro. Não somos atores principais.
Somos coadjuvantes. Pedaços da vida.

Não somos maiores que o céu. Não somos maiores que a chuva.
Não somos maiores que o sol. Nem somos maiores que a vida.

Somos importantes. Somos funcionários da natureza.

Não somos maiores que o mar. Não somos maiores que as horas
Não somos maiores que a lua. Nem somos maiores que o céu

Não somos maiores que o nosso amor.

Não cabemos dentro da nossa paixão. Nossos sonhos não cabem dentro de nós.
Não damos pé no mar da nossa tristeza. Não achamos o fundo da nossa felicidade.

Não temos espaço para guardar todos nossos sentimentos. Eles transbordam. Viram sorrisos e lagrimas. Viram abraços e beijos. Viram arte.

Não somos maiores do que nós mesmos.

Não cabemos em nós mesmos.

Nós somos tão pequenos, mas tão infinitos...

publicado no jornalo O Farroupilha em 18/01/13

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Paz dos Sexos



Não sei quem inventou essa história de guerra dos sexos. Mas quem decide se alistar esta perdendo tempo de ser feliz.

Não existem vitórias para os times do machismo e do feminismo. Levantar qualquer uma das duas bandeiras é egoísmo. É medo de se conectar, e descobrir que o outro sabe mais. É medo de parecer menor. Medo de aprender.

Se na guerra dos sexos, o machismo quer reprimir o melhor da mulher, e o feminismo quer importar o pior do homem. Na aliança do amor, a união quer somar as qualidades para poder compensar nos defeitos.

O amor é para aproveitar junto. Quando um corta o outro cozinha. Quando um lava o outro seca. Quando um cai o outro ajuda. Quando um ganha o outro ganha. Quando um ri o outro ri.

O amor precisa de entrega total. Precisa do melhor de um no pior do outro. Afinal, toda tampa de vidro de conservas abre mais fácil na segunda tentativa.

Competir em um relacionamento é o mesmo que convidar alguém para dançar, e tentar driblar os passos do par. É como marcar de ir ao cinema, e sentar um na frente do outro. É reclamar da comida, e não ajudar a temperar. É esperar ouvir um bom dia para dar um bom dia. É manter uma briga só para ver quem vai ceder primeiro. É fazer filhos e dar eles para uma babá. É anotar num papel todos os gastos para poder cobrar no divórcio.

Os machistas e as feministas nunca serão felizes no amor. Não conseguem se entregar a uma paixão de verdade. Eles têm medo de sair por baixo. Acham que estão sempre sendo injustiçados. Que são os únicos a se sacrificar. Que carregam a parte mais pesada da cruz.

Eles ainda não entenderam que homens e mulheres são diferentes. E que é isso que faz a soma ser tão maravilhosa.

O amor não tem lados. Ele é redondo, e ninguém consegue abraçar ele sozinho.

Publicada no jornal O Farroupilha no dia 11/01/13

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Só Humanos


Arte: Leonardo da Vinci

Eu gosto de quem troca os pés pelas mãos. De quem gagueja na hora de se apresentar. De quem treme quando está ansioso. De quem não consegue ficar quieto durante o nervosismo. Gosto de quem se arrepia.

Eu gosto de quem chora no meio da rua. De quem discute no meio da praça. De quem não consegue evitar o abraço mesmo quando quer manter uma briga. De quem pede desculpas primeiro, e não espera a certeza do perdão. Gosto de quem se machuca.

Eu gosto de quem fala alto quando está brabo. De quem se encolhe quando está com medo. De quem tem alegria misturada com lágrimas nos olhos. De quem tem ataque de riso, e procura um espaço entre as risadas para respirar. Gosto de quem se entrega.

Eu gosto de quem tropeça. De quem troca as palavras. De quem confunde as placas dos banheiros. De quem se esquece das vírgulas, e exagera nas reticências. Gosto de quem se traduz.

Eu gosto de quem puxa no colo e abraça. De quem transforma o oi em um abraço, e faz do tchau uma desculpa para o beijo. De quem não sabe o que fazer com as mãos quando não estão entrelaçadas. Gosto de quem encosta.

Eu gosto de quem se suja. De quem amassa as roupas. De quem afrouxa a gravata e se esquece de botar a camisa dentro da calça. De quem tira o sapato na primeira oportunidade e não combina meias. Gosto de quem se atira

Eu gosto de quem canta sem saber a letra. De quem desafina de coração. De quem dança sem coreografia. De quem pisa nos pés do par durante a valsa. De quem joga os braços pro céu e grita. Gosto de quem se emociona.

Eu gosto de quem deixa o coração falar mais alto. De quem é de verdade. De quem calcula os números na cabeça e a vida no peito. De quem esquece o guarda-chuva no metro e aproveita para tomar um banho. Gosto de quem vive.

Eu gosto de quem erra. 

Crônica publicada no jornal O Farroupilha em 04/01/13