Páginas

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Enchente


foto: Antonio Dal Bó

Sempre gostei de água. Era o tempero para alegrar qualquer uma das minhas brincadeiras da infância. Não podia ver uma torneira que meus dedos coçavam. Arrumava pretexto para poder ligar a mangueira no jardim, e quando ninguém estivesse olhando, eu jogava água para cima. Adorava me molhar.

Admito que nem sempre gostei de banho. Mas se eu tivesse um chuveirinho, o banho virava revista em quadrinhos. Eu ganhava o super poder de controlar a água, me transformava em um super herói.

Mas água não é coisa controlável. Não adianta pedir por favor. Ela não faz uso dos bons modos. Quando ela quer passar, não pede licença.

Há alguns dias atrás, eu voltava de um ensaio perto do Maracanã junto com quatro amigos, quando o sol fugiu junto com a tarde quente do Rio de Janeiro, e deixou a chuva brincar com os rios que cruzam o bairro.

A água não tinha para onde fugir, e muito menos nós, que fomos pegos de surpresa no meio da enchente. Nos vimos obrigados a abandonar o carro, e a carregar os instrumentos em cima da cabeça.

Me lembrei de como achava a água da mangueira maleável em minhas mãos, e percebi o quão maleável todos nós éramos no rio de sacolas plásticas e sujeira que subiu até a altura das maçanetas do carro.

Eu estava caminhando pelo novo rio que brotou ao lado do Maracanã, tateando buracos com os pés, quando uma moradora de rua me ofereceu abrigo em seu lar, junto com os outros diversos moradores de rua que também viviam em baixo daquele viaduto. Eles nos ajudaram, e ao me verem tremendo de frio, me ofereceram uma camiseta seca.

O rio subiu mais. E tivemos que abandonar o abrigo do viaduto para subir mais também. Quando tudo passou voltei para ver como todos estavam. Eles haviam conseguindo salvar muito do pouco que tinham. E me pediram se todos nós estávamos bem. Saí de lá recebendo desejos de benção e amor de quem quase nunca recebe benção e amor.

Nada pode parar uma enchente. Ainda bem que o amor é como a água, quando transborda, leva tudo que estiver pelo caminho.

Publicado no jornal O Farroupilha em 08/02/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário