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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Epitáfio


Dia de los muertos - Thaneeya McArdle

A morte é séria de mais. Basta ela entrar no assunto, que todo mundo fecha a cara.

Não existe espaço para a felicidade perto da cova. Qualquer traço dela é condenado quando a palavra morte aparece na receita da vida. Não importa se ela vem dos bons momentos que a vida deu, dar risada em um velório é quase um crime. Ofende as lágrimas de quem prevê um futuro sem a vida de quem já viveu.

Não gosto dessa cordialidade toda. O terno e gravata do enterro deveriam ser substituídos por um nariz de palhaço. A morte nunca deveria ter sido levada tão a sério. Não entendo como ela acabou sendo mais respeitada que a vida.

Transformamos a vida em comum e a morte em sagrada. Botamos a morte em um pilar, e jogamos a vida numa vala. Maltratamos a vida e cuidamos com todo carinho da morte.

A morte virou nossa maior obsessão. Comemos errado e com exagero, para tentar entupir artérias. Enchemos nosso corpo com tóxicos para confundir o cérebro. Trabalhos mais do que descansamos, para conseguir dar às pessoas um testamento maior do que a nossa memória. Usamos motores e máquinas, para evitar que nosso corpo se canse antes do tempo. Nos preocupamos sem limites, e amamos com receio.

Começamos uma guerra contra o tempo e a natureza para fugir da morte, e acabamos nos tornando os maiores aliados dela. Somos nosso próprio arqui-inimigo. Afinal, já que nós conseguimos subir ao topo da cadeia alimentar, é nosso dever perante a natureza, dar um jeito em nós mesmos.

Não estou fazendo pouco da morte. Sei que saudades é coisa séria. Mas a saudades só existe por causa da vida.

É como se suicidar para ver se alguém vai chorar no nosso velório, em vez de amar para ver se alguém vai comemorar junto nas nossas conquistas.

Em algum momento da história da humanidade, morrer virou mais nobre do que viver.

O epitáfio deveria zombar dos nossos defeitos, em vez de engrandecer nossas vaidades.

Crônica publicada no jornal O Farroupilha no dia 01/11/2012

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