Dia de los muertos - Thaneeya McArdle
A morte é séria de mais. Basta ela entrar no assunto, que
todo mundo fecha a cara.
Não existe espaço para a felicidade perto da cova. Qualquer
traço dela é condenado quando a palavra morte aparece na receita da vida. Não
importa se ela vem dos bons momentos que a vida deu, dar risada em um velório é
quase um crime. Ofende as lágrimas de quem prevê um futuro sem a vida de quem já
viveu.
Não gosto dessa cordialidade toda. O terno e gravata do
enterro deveriam ser substituídos por um nariz de palhaço. A morte nunca
deveria ter sido levada tão a sério. Não entendo como ela acabou sendo mais
respeitada que a vida.
Transformamos a vida em comum e a morte em sagrada. Botamos
a morte em um pilar, e jogamos a vida numa vala. Maltratamos a vida e cuidamos
com todo carinho da morte.
A morte virou nossa maior obsessão. Comemos errado e com
exagero, para tentar entupir artérias. Enchemos nosso corpo com tóxicos para
confundir o cérebro. Trabalhos mais do que descansamos, para conseguir dar às
pessoas um testamento maior do que a nossa memória. Usamos motores e máquinas,
para evitar que nosso corpo se canse antes do tempo. Nos preocupamos sem
limites, e amamos com receio.
Começamos uma guerra contra o tempo e a natureza para fugir
da morte, e acabamos nos tornando os maiores aliados dela. Somos nosso próprio
arqui-inimigo. Afinal, já que nós conseguimos subir ao topo da cadeia
alimentar, é nosso dever perante a natureza, dar um jeito em nós mesmos.
Não estou fazendo pouco da morte. Sei que saudades é coisa séria.
Mas a saudades só existe por causa da vida.
É como se suicidar para ver se alguém vai chorar no nosso
velório, em vez de amar para ver se alguém vai comemorar junto nas nossas
conquistas.
Em algum momento da história da humanidade, morrer virou mais
nobre do que viver.
O epitáfio deveria zombar dos nossos defeitos, em vez de engrandecer
nossas vaidades.
Crônica publicada no jornal O Farroupilha no dia 01/11/2012
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